sábado, abril 08, 2006
CME suspendeu arquitecto por não aceitar cunha
Tribunal que apreciou providência cautelar considerou pena indevida e mandou suspendê-la. Chefe de divisão e vereador deferiram o pedido que o arquitecto recusara.A recusa de proceder à apreciação de um pedido de licenciamento de utilização de um prédio – por considerar que fazê-lo naquela ocasião violava a ordem de entrada dos processos – valeu a Ricardo Carriço, arquitecto na Câmara de Évora, um castigo de um ano de inactividade e perda de vencimento. A sanção acabou por ser suspensa, em Fevereiro, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja até decisão final do caso.A 23 de Fevereiro de 2005, Ricardo Carriço foi abordado por José Avelar, chefe da Divisão de Obras Particulares (DOP) em que está colocado, para que desse prioridade à apreciação de um processo, alegando o superior que tinha urgência em vê-lo concluído. Para dar sequência a esse pedido, Ricardo Carriço pediu que ele fosse feito por escrito e fundamentando as razões da urgência, uma vez que havia processos mais antigos à espera.Depois de ter tomado conhecimento da posição do arquitecto, Irene Ramos, uma chefe de secção dos serviços camarários, deslocou-se ao gabinete de Ricardo Carriço - conforme refere nas declarações que prestou no âmbito do inquérito disciplinar depois levantado ao arquitecto - e manifestou-lhe "a sua indignação por um comportamento tão indecoroso e insensível com efeitos internos e externos desastrosos". Irene Ramos, que no início do caso terá recebido instruções do vereador do Urbanismo, Miguel Lima, para contactar José Avelar, no sentido de ser dada prioridade à conclusão daquele processo, advertiu Carriço para as consequências da sua atitude, afirmando que se tratava "de um caso de vida ou de morte".As razões que motivaram a sua interferência foram associadas pela própria ao relacionamento que mantivera, durante uma operação de recenseamento eleitoral, com a esposa do proprietário do prédio que dera origem ao conflito na DOP. Irene Ramos alega no processo que aquela lhe pedira para acelerar a aprovação da licença de utilização, por forma a obter um empréstimo bancário para liquidar encargos com tratamentos médicos.Face a esta situação, Ricardo Carriço fez chegar a Irene Ramos o seguinte recado: "Se queria meter uma cunha não era a mim que se devia dirigir". Pouco depois deparou-se com o processo de licenciamento em cima da sua secretária, com uma anotação deixada num post-it para o despachar. Acedendo ao pedido da chefia, analisou o processo e informou, por escrito, que "a ampliação [feita no prédio] não se encontra licenciada nem é licenciavel uma vez que viola o disposto no Plano Director Municipal".No mesmo dia, apesar da informação do arquitecto, José Avelar aprovou a ampliação e o vereador Miguel Lima despachou favoravelmente a licença. Nas declarações que prestou no processo de inquérito, o chefe de divisão, diz que se viu "na contingência de intervir no sentido de solucionar a questão posta pela requerente de obter efectivo licenciamento de construção".Irene Ramos fez depois uma participação contra Ricardo Carriço ao presidente da câmara, José Ernesto Oliveira (PS), propondo que lhe seja dado "um sério correctivo que o leve a ponderar melhor a sua insuportável arrogância recorrente". Aberto o processo disciplinar, a acusação foi concluída logo a 5 de Março de 2005, sendo depois aplicada ao arquitecto uma sanção disciplinar de um ano de inactividade sem remuneração.Inconformada, a defesa do funcionário recorreu da decisão para o TAF, solicitando a suspensão da eficácia da deliberação tomada pela Câmara de Évora enquanto não fosse apreciado o recurso relativo ao processo disciplinar. O tribunal considerou procedente o pedido, declarando "ineficazes os actos de execução indevida". O processo principal continua, entretanto, a seguir os seus trâmites, aguardando-se a decisão final.Arquitecto já teve três processosO primeiro processo de inquérito movido a Ricardo Carriço pela Câmara de Évora, foi decidido em Março de 2002, na sequência de um parecer que emitiu contra um pedido de viabilidade de construção. Na sua apreciação, entendeu que o terreno estava destinado a fins agrícolas e que não era permitida a construção urbana no mesmo. A chefia pediu-lhe que reapreciasse o caso, alegando que o vereador Miguel Lima não aceitava as suas razões, mas Carriço manteve, na íntegra, o seu parecer.O vereador exigiu uma nova apreciação do processo e este acabou na Divisão Jurídica da câmara, que veio a perfilhar a opinião já expressa por Ricardo Carriço. Mas quando o parecer dos juristas chegou, Miguel Lima já tinha deferido o pedido do empreiteiro e instaurado um inquérito ao arquitecto. Em Julho de 2003, o mesmo autarca ordenou a abertura de um novo inquérito ao mesmo técnico, desta vez por causa das suas resposta ao inquérito anterior.Cinco meses depois foi instaurado mais um inquérito disciplinar contra ele, agora, por ter posto em causa um despacho de Miguel Lima, alegando que violava o PDM de Évora. Os três processos foram entretanto arquivados conforme consta de uma certidão emitida pelo município.Domingas Rodrigues, advogada de Ricardo Carriço, afirma na sua contestação, que as várias tentativas de sancionar o seu constituinte "não tiveram outro objectivo se não o de pressionar o arguido a assumir orientações na análise dos projectos de arquitectura submetidos à sua apreciação, que são contrárias à sua opinião técnica".O PÚBLICO dirigiu a José Ernesto Oliveira várias perguntas sobre este caso, mas o autarca escusou-se a falar, alegando que não deve pronunciar-se por o processo estar em tribunal. E acrescentou que, por se tratar de uma matéria disciplinar, "apenas diz respeito às relações de trabalho entre entidade pública e um seu funcionário". Ricardo Carriço escusou-se igualmente a comentar o assunto.Carlos Diasin PÚBLICO de 2 de Abril de 2006
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