quinta-feira, janeiro 24, 2008

Retratos da saúde em Portugal

O diálogo que abaixo se reproduz (publicado no Correio da Manhã), faz parte do retrato do sistema de saúde em Portugal. A conversa entre o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) os bombeiros e médicos mostra bem como os encerramentos das Urgências e os planos alternativos do ministro da Saúde podem estar perfeitos nos papeis mas chocam flagrantemente com a realidade. Seria cómico, se não fosse trágico.

(Bombeiro de Favaios e a médica da VMER de Vila Real falam um com o outro)

Médica da VMER (MV): – Boa noite.
Bombeiro de Favaios (BF): – Boa noite.
MV: – Boa noite. Podiam dar-nos algumas indicações? Onde é o...
BF: – Como, como?
MV: – Se nos podia dar algumas indicações. Onde é...
BF: – Ora bem. Eu não sei como é que vou explicar. Chega ali a Alijó, vai adiante, ao pé das bombas de gasolina. Há uma rotunda à esquerda. Corta à esquerda, para ir ao Intermarché. E segue sempre em frente para o Castedo. Sempre estrada fora.
MV: – Para onde?
BF: – Para o Castedo.
MV: – OK. Pronto, obrigado.
BF: – E agora, o que faço?
MV: – Diga?!?
BF: – O que faço? É preciso ir lá eu?
MV: – (risos). Ó senhor, nós vamos a caminho.

(A operadora do CODU reentra na chamada telefónica)

Operadora do CODU (O): – Ó, Favaios!
BF: – Diga, diga.
O: – Obviamente é para lá ir a ambulância para iniciar suporte básico de vida. Se estiver em paragem. Digo eu.
BF: – Olhe, mas arranco para lá eu?
O: – ... (risos).
BF: – Estou?...
O: – Peço desculpa. Eu estou a falar com uma corporação de bombeiros, não estou?
BF:– Está sim. Mas estou a atender o telemóvel.
O: – Então eu estou a dar-lhe uma saída, e pergunta-me a mim o que vai fazer? Nunca tal me aconteceu.
BF: – Desculpe lá, desculpe lá.
O: – Claro que tem de ir para o local com a ambulância e com o colega.
BF: – Eu estou sozinho.
O: – Está sozinho?
BF: – Estou.
O: – Então como vai sair uma ambulância sozinha?!
BF: – Não tenho mais ninguém agora aqui.
O: – Como não tem?
BF: – Então como vou fazer!?!...
O: – Espere aí! (dirigindo-se para a médica da VMER) Ó doutora, Favaios está sozinho, não tem mais ninguém... (volta a falar com o bombeiro) Não arranja outro tripulante?
BF: – Quem é que vou arranjar agora?!
O: – Qual é a corporação mais próxima além de vocês?
BF: – Só Alijó.(…)
O: – Então vou mandar Alijó. Vou pedir ajuda, para você ajudá-lo a chegar ao local. (desabafo para alguém que está ao lado) Tu estás a ver? Ele está sozinho. “O que é que eu faço?”, pergunta-me ele.

(A operadora do CODU telefona para os Bombeiros de Alijó)

Bombeiro de Alijó (BA): – Estou sim...
O: – Uma saidinha para Castedo.
BA: – Castedo é Favaios!
O: – Pois é. Mas Favaios está só com um senhor e a ambulância. E a vítima pode estar em paragem respiratória. Vai a viatura médica de Vila Real. Não posso enviar uma ambulância só com uma pessoa para fazer uma emergência médica.
BA: – Aqui também não tenho ninguém.
O: – Não tem aí ninguém.
BA: – Não. Só se chamar...
O: – Então...
BA: – Aqui só fico eu de noite.

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Entretanto, o mais provável é que o doente tenha morrido...
Assimse demonstra que o que é necessário é «explicar aos portugeses» a política de Saúde do Governo: para que eles percebam que a morte é componente esencial dessa política de Saúde - e, assim, não tratados mas informados, morrerem descansados...

samuel disse...

Oh, companheiro!
Isto é um bom SNS, transporte de doentes, emergência médica, etc.
Ainda não te convenceste de que nós é que não entendemos a mensagem do senhor ministro?
Ele vai continuar a explicar, certamente, cheio de paciência com estas bestas que nós somos...

almada disse...

Isto já raia o insuportável! A quantidade de vezes que este sr. ministro tem que vir justificar-se, defender a politica do seu governo, enquanto por onde passa a sua mão vai semeando casos de desumanidade.