quinta-feira, janeiro 31, 2008

O homem que fala para se ouvir

“O homem falava para se ouvir. Falava; não estava a dizer nada.

Elogiava-se e ao Governo que dirigia. Na Saúde, na Justiça, na Economia, na Cultura, no Emprego, na Educação, nas Obras Públicas, tudo deslizava, com suavidade, para o irreversível ponto de exclamação que será a sociedade próspera e abundante. O absurdo atingia a dimensão da inconsciência abjecta. O homem na televisão deixara de o ser: era, unicamente, voz. Voz efémera, que desembarcava numa auto-admiração inviolável; voz de catálogo turístico.

As vozes humanas possuem cor, luminosidade, magia, transcendência, grandeza, música, presença física. A voz do homem na televisão era dissimulada, quadrada e cava. Uma mentira instantânea que se repetia sem perdão. Um eco do oco.”

Baptista Bastos, DN 30.01.08

1 comentário:

samuel disse...

O Baptista Bastos quando está nos seus dias (e está muitas vezes) é tremendo!

Abraço.