sábado, setembro 16, 2006

Carta aberta das FARC aos integrantes da XIV Conferência dos Países Não Alinhados







por Raúl Reyes [*]

Excelentíssimo Senhor Presidente da XIV Conferência do Movimento dos Países Não Alinhados (MNOAL) La Habana, Cuba.

A Colômbia é um país imensamente rico, com três cordilheiras, segundo lugar em biodiversidade, costas em dois oceanos, todos os patamares térmicos e climas variados, com terras férteis que permitem uma produção agrícola durante o ano todo. Uma população de 44 milhões de habitantes e um potencial económico activo de grande labor que teria, em condições de paz real, capacidade de produzir o suficiente para auto-abastecer-se e contribuir, do ponto de vista alimentar, para a alimentação de outros 60 milhões de seres humanos que não têm possibilidade iguais ou semelhantes.

Mas vimos de uma tragédia nacional, 60 anos de terrorismo de Estado e de maior geração de preocupações na complexidade da política internacional. Foram etapas de grandes injustiças sociais, de democracia cada vez mais restringida, tempos de grandes padecimentos que recrudesceram com a eleição à Presidência da Colômbia do Dr. Mariano Ospina Pérez, de filiação conservadora.

Ao iniciar esse período, em 1946, começou-se uma repressão violenta contra a oposição de então, fundamentalmente contra o liberalismo, o que provocou um protesto pacífico histórico, que teve sua maior expressão na manifestação do silêncio, convocada pelo líder do Partido Liberal, Dr. Jorge Eliécer Gaitán. A Plaza de Bolívar, em Bogotá, encheu-se, ninguém lançou um grito, nem um viva, nem um abaixo, só falou Gaitán. Seu discurso foi a Oração da Paz, não apelou ao ódio, não apelou ao enfrentamento, apelou à reconciliação, ao entendimento e à paz. Em 9 de Abril de 1948 Gaitán foi assassinado e até hoje o magnicídio permanece na mais absoluta impunidade. Ninguém sabe quem foi o autor intelectual, pois deixou-se que a multidão enfurecida destroçasse fisicamente o autor material a fim de que ninguém soubesse quem o havia induzido ou contratado. Chama a atenção o facto de que a CIA, a 58 anos de distância do facto, não haja desclassificado os documentos sobre este magnicídio, apesar da grande incidência que teve sobre o seu desenvolvimento agitado e sobre as ainda não bem analisadas conclusões da Conferência Panamericana que nesse momento se reunia em Bogotá.

Ao povo colombiano custaram muito caro estes anos de governos desastrosos. Foram assassinados 300 mil compatriotas entre 1948 e 1953. Esse período é conhecido como o da política oficial do "sangue e fogo". Continua hoje o infame massacre. Desde então, a alta hierarquia liberal optou pelo exílio e aos liberais da base coube-lhes irem para as montanhas, empunharem as armas e combaterem para defender as vidas, suas famílias e proteger os poucos bens que possuíam.

No ano de 1953 foi gestado o golpe militar, aparentemente orientado pelo general Gustavo Rojas Pinilla, que uma vez consolidado apelou às guerrilhas para que se entregassem sob o lema "Paz, Justiça e Liberdade". A maioria dos guerrilheiros que respondiam às directivas do Partido Liberal entregou-se, mas o resultado não foi a paz. Quase imediatamente o governo militar converteu em inimigos todos aqueles que tinham um pensamento diferente do oficial e, sob os parâmetros anti-comunistas da IX Conferência Panamericana, bombardearam-se regiões camponesas em Villarrica Tolima, causando a morte violenta de homens, mulheres e crianças.

No ano de 1957 o general Rojas Pinilla foi obrigado a abandonar o poder. O novo governo tornou a chamar os guerrilheiros à paz e ao trabalho. Estes aceitaram e voltaram a trabalhar nas regiões camponesas de Rio Chiquito, Marquetalia, El Pato e El Guayabero. Ali se produzia milho, banana, mandioca, café, feijão, porcos, gado e aves de capoeira, dentre outros produtos agrícolas. Uma parte destes produtos era consumidas pelos habitantes ou vendiam-se nas cidades vizinhas, convertendo-se numa contribuição para o desenvolvimento do país. Mas em 1964 foram novamente atacados pelo Estado colombiano. O Exército Nacional, seguindo as orientações do Departamento de Estado dos Estados Unidos, quiseram arrasar estas regiões, temerosos de que fossem o germe de outra revolução como a cubana. Esta perseguição constante e sem precedentes é a origem das FARC-EP, a guerrilha mais antiga do mundo que, obrigada por seis décadas de violência oficial, combateram contra um Estado injusto e violento, com o empenho de conquistar para o povo uma paz digna com justiça social.

Durante todo este período aziago houve várias tentativas de conseguir a paz, até que em 1984 firmaram-se os Acordos de la Uribe, uma trégua e uma cessação bilateral de fogos que durou até 9 de Dezembro de 1990, quando foi rompida pelo presidente da época, César Gaviria Trujillo, que sem haver terminado a trégua e sem riscos bombardeou Casa Verde, sede do Secretariado das FARC, no dia em que os colombianos elegiam a Assembleia Nacional Constituinte. Como produto dos Acordo de la Uribe nasceu a União Patriótica, organização pluralista bem acolhida pelos trabalhadores e pela população. Num curto tempo de campanha eleitoral elegeu 14 congressistas, 17 deputados, 10 alcaides e 135 vereadores.

A reacção da ultra-direita não se fez esperar: dois dos seus candidatos à presidência foram assassinados: Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo. A maioria dos congressistas, deputados, vereadores e alcaides foram assassinados, juntamente com mais de 4 mil dirigentes, activistas e simpatizantes do Partido Comunista e da União Patriótica. Foram assassinados igualmente os candidatos Carlos Pizarro León Gómez do M19 e Luis Carlos Galán Sarmiento do Nuevo Liberalismo.

Todos estes assassinatos foram responsabilidade do Estado colombiano, pelo que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado pelo genocídio contra a União Patriótica. Num novo passo na busca da paz, a 7 de Janeiro do ano de 1999 instalaram-se os diálogos em San Vicente del Caguán, Departamento de Caquetá, entre o governo do Dr. Andrés Pastraña e as FARC-EP.

Mas em paralelo a este importante processo os Estados Unidos impuseram o Plano Colômbia, plano de guerra contra a estabilidade da região sulamericana. Três anos mais tarde, em 20 de Fevereiro de 2003, o presidente Pastraña dava por terminados os diálogos, abruptamente, sem ter tido em conta os 28 países amigos que apoiavam este novo esforço de paz e sem ter permitido ao enviado do Secretário-Geral da ONU, James Lemoyne, que despenhasse o papel de facilitar em que estava empenhado.

Durante o processo 1999-2003 avançou-se significativamente e firmou-se, pelos representantes do governo de Pastraña e pelas FARC, a Agenda Comum para a Troca. Os pontos a discutir já estão identificados e rubricados com a assinatura das duas partes. Só falta a vontade do governo actual de reiniciar um diálogo que conduza à paz na Colômbia e à estabilidade regional.

Excelentíssimos Presidentes e delegações do Movimento dos Países Não Alinhados. Fazemos esta pequena síntese histórica para mostrar que a guerrilha não é responsável pela violência, como apregoam o Governo da Colômbia e os grandes meios de comunicação que lhe são afectos. Dirigimo-nos aos senhores não para lhes pedir que nos ajudem na guerra e sim para lhes pedir que nos ajudem na solução pacífica do conflito social e armado que padecem os colombianos desde há seis décadas.

Ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe Vélez, já reiterámos publicamente a proposta que lhe foi feita desde o início do seu primeiro governo, de desmilitarizar dois Departamentos: o Putumayo e o Caquetá e de retomar a Agenda Comum para a Troca para nos sentarmos com os partidos políticos, grémios económicos, a Igreja, o movimento sindical e de massas em geral, os militares, os estudantes, os camponeses, os indígenas e outras minorias, para que entre todos desenhemos a nova Colômbia, a que todos queremos, soberana, digna, pujante, justa e em paz.

Para o Acordo Humanitário, da parte das FARC-EP, existem propostas concretas e realizáveis à luz do Direito Internacional, cabendo ao Governo dar os passos pertinentes para avançar no seu desenvolvimento e concretização, o que é esperado pela nação, pela Comunidade Internacional e pelos familiares dos prisioneiros políticos e de guerra das duas partes. Estamos dispostos a enviar delegações a fim de conversar com os seus governos nos seus países acerca das nossas propostas para as saídas políticas. Se pudermos contar com garantias, estamos igualmente dispostos a receber os seus delegados nos nossos acampamentos a fim de lhes dar a nossa versão do conflito interno e explicar-lhes nossos esforços e propostas destinadas a conseguir a paz definitiva e duradoura.

Atentamente, Raúl Reyes Chefe da Comissão Internacional das FARC-EP.

Montanhas da Colômbia, Setembro de 2006

O original encontra-se em http://listas.nodo50.org/cgi-bin/mailman/listinfo/diariodeurgencia

Esta carta foi retirada de:
http://resistir.info/colombia/carta_aberta_set06.html

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